Condo 2.


Lembra que eu jurei não amar?
O condomínio nunca foi o mesmo.

Sim. Eu não amei mais, me tornei uma lenda das baladas. Todas as noites eu chegava em casa depois de muita bebida com alguém. Uma noite de sexo e prazer. Só por uma noite. No outro dia, na maioria das vezes, tinha que perguntar o nome de quem estava ali. Já nem lembrava, não importava.
Além de minha falta de memória absoluta, tem também minha irmã que se mudou para o apartamento do fim do corredor - que perturba de vez em quando..
Desde então, não acredito mais em amor. Mas o motivo vem logo depois.
Lembra do casal que eu costumava assistir da janela do meu apartamento há 5 anos atrás? Os românticos vizinhos. A resposta de um relacionamento perfeito?
Eles ainda moram no condomínio. Bom, na verdade não quero entregar de bandeja o final da história. Existe uma série de coisas que precisa-se falar antes que julguem qualquer um dos dois ou a mim:
O nome dele era Daniel e o dela é Julia. Ambos se conheceram em meados de 90, eram colegas de aula. Estudaram juntos até concluir o colegial. E depois foram morar juntos na capital: Porto Alegre. Alugaram o próprio apartamento e começaram a viver a linda vida de casal juntos. Aparentemente tudo estava bem até completarem 2 anos vivendo juntos. As coisas mudaram um pouco a partir daí. Eu lembro que eram como unha e carne e pareciam muito unidos. Eram os defensores do brasão do amor. Só aparentemente.
Acontece que ambos eram um pouco diferentes em alguns aspectos extremamente significativos:
Daniel não era organizado, Julia mantinha sempre a toalha no banheiro. As cuecas sempre ficavam em cima do bidê. E o pente sempre ficava com os cabelos da Julia. Ela era perfeccionista, Daniel não sabia o que isso significava. Ele era romântico, Julia um pouco racional, as vezes fria. Daniel de puritano, tornou-se sincero e de sincero tornou-se qualquer um. Daniel queria sexo e Julia estava cansada do trabalho. Daniel estava com dor de cabeça e Julia dorme com a TV ligada. Enfim, existiam certas divergências, na verdade.
Bom, nunca acreditei em amor até algum momento.
Meu nome é Pedro. Lembra pedra. Pedro coração de pedra. Talvez minha mãe previu tudo isso. Quem sabe?
Amor pra mim era algo abstrato. Como nos confirma meu amigo Aurélio. Não conseguiria transcrevê-lo pra vida. Até encontrar Karina.
Karina estava em um desses ônibus cheios na vinda da faculdade. Ela estava do meu lado, me mantive imóvel. Olhava para ela através do espelho. Percebi que ela não me olhava.
Hmm, pra mim Amor era nada do nada. Era como a janela e o espelho, transparecendo apenas reflexos e traços de uma existência que não poderia ser atingida, alcançada.
No entanto, ela perguntou as horas. E eu comentei sobre a temperatura. Ela perguntou o que eu cursava e eu perguntei o que ela fazia. Eu perguntei onde ela morava. Ela me disse que morava perto de onde eu descia. Ela tinha telefone. Eu não. - mas anotei em um bloco de notas que ficava no bolso de minha pasta.
A partir dai tudo foi inquestionavelmente inacreditável. Como num conto de fadas.
E então, uma chama, flamejando, uma faísca se acendeu dentro do coração de gelo, derretendo-o em lágrimas após 2 anos de namoro. Amor? Amor que morre?
Ok. "Senta lá Claudia" ( uma expressão que uso pra alguém que conta história pra boi dormir). Como resultado, fiquei meio ano desolado.
Meus pais se mudaram e deixaram o apartamento pra mim e minha irmã, que em seguida resolveu se mudar para o tão- aclamado "apartamento do fim do corredor".
Foi aí que através de um impulso juvenil pós-traumático e das teorias de Waldo Emmerson "você pode, você consegue" ( os american values mesmo) acabei por tornar-me "qualquer um", assim como Daniel (ex-namorado de Julia - caso não estejam prestando atenção.).Eu era a lenda do Independência.
Nos finais de festa felizmente podia escolher, quem já havia conhecido... a Betinha, a Renata, a Dani, a Alessandra, a Luisa e a Nessa e etc. (outras mulheres comuns)
Cada vez que ia pra cama com uma delas, criávamos um gesto singular. E na balada, podia escolher apenas por simples gestos. E assim que eu o fazia. Uma vinha. E as outras nem suspeitavam. Apelidei esse momento da noite como "Caça". E genericamente elas... são "presas", sem terem ao menos consciência, é claro. Bom, eu não sou machista. Só estou descrevendo um processo.
Hoje é 20 de dezembro e faz já um mês que comecei a conhecer a Julia. Tudo aconteceu numa livraria. Ela estava lá na sessões de Sexo e eu não acreditei.
Fui perguntar como ela estava e o que fazia ali. Ela me disse que sempre gostou de ler e que é uma boa distração. E eu disse " mas sexo". E ela disse que prefere um livro de sexo do que um filme pornô, disse que optava pela imaginação! Perguntei como ela estava (de novo, por algum motivo estranho), e ela respondeu que estava bem. Nos sentamos no sofá e perguntei de Daniel. Ela me contou tudo o que tinha acontecido: "foi a vida.as coisas passam, tudo passa, as pessoas passam." Depois daquela resposta senti um calafrio na parte de traz do pescoço e uma leve fraqueza no estômago.
Acabamos nos encontrando em uma festa, e no final da noite fomos pro terraço do apartamento dela conversar e tomar chimarrão. - e vimos o sol ressurgir.
Sou mais novo que ela... 6 anos. Mas estamos nos entendendo bem. Curto o jeito dela. Ela é durona, diferente. Ela não se entrega fácil, mas quando se entrega é intensa. Estamos vivendo bem, estou vivendo muito bem. As vezes no apartamento dela, as vezes no meu. Quem sabe não é amor? Ninguém pode saber. Hoje em dia é tão fácil se apaixonar, deixar alguém entrar. Todos temos apenas o grande medo de sermos o lado em desvantagem: aquele que é deixado. Que pára de viver, e apenas sobrevive. Se alimentando de memórias para resistir, como um parasita, dependente. Dia à dia. Um sofrimento desnecessário que se carrega até o tumulo. Pessoas realmente passam, assim como as coisas. Mas elas deixam marcas que demoram pra ser apagadas. Não tem volta. Amor, amor, amor: uma vida de riscos. O condomínio está mais alegre... por agora (pelo menos). Todos nascemos e morremos sozinhos e por mais difícil que seja aceitar essa imensa vontade de se fazer entendido e de poder dividir alguns problemas ou sensações com outro ser, nunca poderemos dividir o que sentimos, nunca poderemos dividir os nossos sonhos, os nossos pensamentos, o que os nossos olhos e o que nosso coração vê e sente. Somos seres solitários. E é só isso.

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