Lucas e Carolina, prazer


        
  A história começa no bairro Moinhos. Num dia de chuva qualquer da temporada de inverno de 1994. Aparentemente um dia como outro da semana. Exceto pelos destinos que ali teceriam uma nova história.
 

19 de Julho de 1994
 

         "De repente esses ralos enchem, a rua inunda e esse maldito congestionamento atrapalha mais ainda nossas vidas." remoia Carolina.

         "Claro." repetiu o garoto no banco de passageiro.

         Lucas era  um rapaz tranqüilo e silencioso, não era de muitas palavras.
 

         " Sou de bastante palavras sim! - pausa para indignação - Prazer. Meu nome é Lucas. Vivo em Porto Alegre há três anos. Ainda que antes tivesse pensado que apenas assim teria descanso, as coisas pareceram tornar-se um pouco mais complicadas do que eu tinha em mente. Tenho 25 anos hoje, inclusive. Há apenas algumas horas cheguei oficialmente aos 25. Mas nada mudou, entende? Estudo História da Literatura. As vezes, é interessante,  as vezes a vontade de jogar tudo pro ar é alta. Possuo um emprego satisfatório como tradutor em uma editora de livros da cidade. E me considerava uma pessoa razoavelmente feliz até descobrir que todas histórias não se baseiam em fatos, mas mentiras. E isso é o que diz a Literatura."

        Lucas vivia uma vida bucólica na conturbada capital gaúcha. Apesar de muitas mudanças, nada havia mudado muito em sua vida. Ele se sentia quadrado e vazio como uma caixa. Lucas era  um rapaz tranqüilo e silencioso, talvez fosse de algumas  palavras.

        "Nunca me senti como uma caixa." respondeu Lucas.

        Diferente de sua irmã Carolina, que está quieta agora, mas é uma tagarela.

        "Obrigado. Prazer é meu. Desculpa, meu nome é Carolina. Carol, isso. Eu faço Ciências Contábeis na Católica e não sou uma guria calma, diga-se de passagem. Ainda mais em dias tediosos e agourentos como esse, que tu te acorda no automático, porque não tens a mínima vontade de ir pra tua aula, sabendo que vai haver dois períodos extensos que vais ter que ficar sentada olhando pra cara de um professor com um sotaque americano falando sobre estatística de mercado. Além do mais, ter que aturar um Lucas no carro - até na hora de ir pra casa - em silêncio, e se esforçando pra conversar: é o abismo total. Isso sem falar nessa chuva que cai um dia depois de eu terminar meu relacionamento.Um típico dia pra botar em prática a depressão."

        Em alguns momentos de sua jornada, teve a leve sensação de decodificar a vida em sua mais vasta diversidade. Na maoria das  vezes, Carolina ficava segura sobre as escolhas e tinha certeza sobre as respostas, ou ao menos predeterminava elas, a partir de suas possibilidades. Era sempre a mais racional possível. Em outra associação de pensamento, era como se a vida fosse um livro já lido, que embora ela não soubesse as sucessivas palavras em sua ordem magistral, ela saberia no que determinada ação iria implicar.
        
       "Absolutamente". ressaltou Carolina.

         Bom, o carro deles era vermelho. Vermelho cor de sangue.  Um Kadet de duas portas, sem ar condicionado, mas com toca fitas para a diversão de nosso amigo Lucas. O assento era regular, sem muito conforto. No banco de trás, o espaço era realmente restrito, devido a  mochila pesada e a quantidade de papeis e documentos de sua irmã Carolina: a futura grande contabilista da família. Desprezando a idéia de Carolina ser quem usava o automóvel  mais freqüentemente, e por sua vez, se apropriar do mesmo atribuindo sua autoridade na posse do mesmo, poderíamos descrever o carro dos Muller, como aquela garrafinha de ketchup vermelha  que fica meses parada no canto da porta da geladeira, escondida atrás de um pote de geléia, que todo mundo se lembra quando tem  pizza,  ou um lanche de pronta-entrega pra comer, caso raro para os Almeida.

         Carolina naquela sexta-feira estava chata pra cacete, pensava Lucas. Do Moinhos até a PUC ela falou só sobre o TCC que não pôde terminar porque havia faltado luz na noite anterior, e que ela tinha perdido o gás para continuá-lo no presente dia.

         "Tu pensou isso de mim? Dois contra um é fogo." repreendeu Carol.

          Nossos dois amigos, vítmas do urbanismo e do cotidiano de capital estão prestes a descobrirem que o que precisam é um pouco de irrealidade para salvarem suas vidas. Ou então, sabe lá o que é real. Vocês estão curiosos ?

          "Como assim? Só o que me faltava um narrador assim." respondeu Carolina. " Óbvio que fui eu que respondi, sou eu a revoltada, Sr. narrador. Sinceramente, eu odeio literatura."

         "Tá, mas curiosos pra quê?"  questionou Lucas enquanto o sinal estava fechado e o Ketchup atolado no meio do engarrafamento. "Hmm."

         Os dois sentados no carro se perguntavam "que rumo tomariam nossas histórias".

         Só que a pergunta que não queria calar era  "gostariam mesmo de estar em um outro lugar de verdade?"

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