Reticências

Naquela tarde, porque chovia e não havia luz suficiente para que eu pudesse permanecer na sala, vendo as cores dos vidros desdobradas em outras sobre os objetos, tinha caminhado pela casa toda procurando algo para fazer.

Descobri faz algum tempo que as mãos se opõem à cabeça, e quando você movimenta aquelas, esta pode parar. Não sei se é uma grande descoberta, talvez não, mas de qualquer forma gosto quando a cabeça pára o maior tempo possível, caso contrário enche-se de temores, suspeitas, desejos, memórias e todas essas inutilidades que as cabeças guardam para deixar vir à tona quando as mãos estão desocupadas. Ocupo-as então, fazendo coisas que depois disponho pelos cantos.

Há longas tiras de pano colorido ou papel crepom penduradas do teto, pelas portas pendem cortinas, longos fios de contas ou sementes enfiadas em cordões que balançam emitindo sons nas poucas vezes em que abro as janelas para que entre o vento, restos de manequins, braços e pernas e troncos e cabeças que costumo recolher nas latas de lixo quando saio a caminhar, nas horas em que não há mais ninguém nas ruas, e cacos de louça, garrafas cheias de água de muitas cores, pedaços de caixotes que também pinto para que não pareçam demasiado crus, e ainda recortes de figuras ou velhas fotografias que vou colando pelas paredes, montes de palha, fitas, flores secas, sobretudo rosas, sobretudo vermelhas, cujas pétalas depois de mortas ganham uma tonalidade de sangue coagulado. Isso me pacifica.

Comentários

Alissoon... Adorei teu blog!!;)
Beijoos

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