Ser humano

         "Provavelmente", "ser" "humano" é estar trancafiado em mais um daqueles pesadelos que tu tentas fugir correndo mas não sai do lugar, aquele que tu gritas seco e mesmo assim tua voz não transcende o silêncio por mais que se esforce. Ou então sujeito aquele pesadelo repentino que te arrasta para uma queda interminável na qual tenta se segurar em algo mas não tem força pois seus braços estão cansados e seu corpo pesado. Ou por último, afogado no mais temeroso e também o mais nobre dos sonhos ruins: o da onda. Tu sabes o que vai acontecer, te sentes acuado e sem esperança, e por isso tu simplesmente desiste de lutar uma batalha perdida. Te situas em algum lugar com uma visão privilegiada e espera que a onda lave toda as coisas de ti: as boas e as ruins.
         Provavelmente, embarcastes naquelas situações que tu sentes como se fosse o nada. Deixaste a água levar todas tuas memórias e sentimentos que resgatassem tuas concepções de humano, certo e errado. E percebestes, só assim, que apenas foi o que tu mesmo criastes. Nesta seqüência, tu concluístes que não reconheces mais os teus próprios fragmentos submersos na água à luz da lua. E então tu te conformou. E aceitou.
        Humano. Cruzou alguma vez em teu pensamento que tu ages contra esse desaparecimento. Resistes a essa fragmentação. Negas a morte. Mentes para a vida. Driblas a ti mesmo e retorna a ti como um peão que gira sob seu próprio eixo? A cada mau dia, tu respondes bom dia e ainda te espantas por leres a estranha locução mau dia. Tu dás nome a pessoas e a coisas, tu te reafirmas. Comemoras menos um ano de vida. Sofres porque amava alguém que não amou... a ti. Às vezes (quase sempre) te olhas no espelho e não vês o que precisas. O nada. O vazio. O abstrato. O impossível. E não usas teu maior poder, tua qualidade genuína: a habilidade de ler tudo das mais diversas maneiras.
        Provavelmente, todas as partes de ti ficaram para traz. E haviam provas de que um dia elas te pertenceram e que tudo fora real. Poderias existir em um mundo inexistente em um outro estado, de outra forma, com outro significado, com outros princípios; outros surrealismos reais, sem conexões e sem sentido. E, sim, estar feito de incertezas, queridas agonias, urgências e medos, como os tais pesadelos; estar (in)feliz por estar infeliz. Sobre qualquer circunstância ser humano é ser como és. Provavelmente.

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