Vinho e vida

      Foi no rádio ligado e na pulsação da música que projetei os pensamentos naquela cidade relativamente distante de mim. Estava velejando em pensamentos depois do vinho da noite passada. De olhos pesados e nervos friccionados às raízes do cabelo baixei o volume envolto ao silêncio humano das três da manhã em meu apartamento. Senti-me largamente sozinho como nunca, e por isso, fui até o quarto à procura de um novo repertório. Havia tido uma overdose de Legião, Caetano e Chico, precisava naquele momento de mais emoção e excentricidade, gostaria de ter alguém vibrante ao meu lado, como Buckley ou Morrisey; talvez algo mais tecno como Pet Shop Boys ou New Order. Abri as janelas do décimo sétimo andar da minha sala, logo após selecionar a melodia cadenciada e depressiva de Jeff. Mirei o topo do apartamento vizinho enquanto dois casais se abraçavam calorosamente despindo-se de segundo a segundo. Em partes gostaria de estar lá, tomado pelo libido e a amoralidade que me entorpece nas ultimas noites. Não estou falando de perversidade ou anormalidade, estou falando de algo mais natural e expresso nas veias tal como o ferro. Por outro lado, existia uma hesitação marcada pela religião do amor idealizado e intocável. Como poderia um amor suportar a violência irremediável do sexo desnudo, de unhas e dentes; do corpo e da carne; da noite e do momento. Não havia necessidade de ser explanada a informação de que continuava em meu apartamento sozinho por outros motivos. Mas as coisas se significam como uma reação em cadeia, idéias acorrentadas que explicam e significam nossas ações, reações, comportamentos, pensamentos, palavras. Haja vista que somos movidos por elas, as idéias. Estava entre o céu e a terra, o paraíso e o inferno, e nada me pareceu mais justo do que isso. Pelo menos era o que me dizia Morrisey, que choramingava em suas canções ao meu fundo e me encharcava de idéias e pensamentos sórdidos.  Dizia que preferia estar em um lugar onde ficasse sensato e me mantivesse como uma idéia que me alimentasse pelo resto dos dias que tivesse. Como se sempre pudesse estar motivado para seguir sem estado de felicidade ou tristeza, mas num lugar em que isso não importasse. Como o mito da caverna, como a vida platônica, como os filmes sem fim, como uma história eterna, como a musica que não pararia nunca, como a batida que não cessa, como a chama que não apaga e o amor que não se finaliza, não se concretiza, o amor que não trai e não cega, a vida que não fecha os olhos. E pra terminar, as estrelas sempre voltam na última taça de vinho, sempre permanecerão lá.

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