Fim de noite

        Fim do dia.
        Ele caminhou no escuro até o feixe de luz que invadia o quarto. Se aproximou do espaço entre a cortina e o restante da janela destapada. Cansado, jogou o casaco sobre a cama e parou para observar as estrelas minutos antes de dormir. 
        Tinha sido uma semana longa de trabalho e não havia se dado ao luxo de encara o céu com seus olhos esbugalhados fazia algum tempo. Nem ao menos lembrava o nome dos asteriscos flutuantes no manto negro que cobria o lado de fora de seu apartamento.
        Não via nada além de problemas: suas contas, suas tarefas, sua vida, a garçonete de 30 anos, sua ex-mulher, a pensão, seu entiado, seu carro quebrado, seu cigarro (que estava no fim), sua carta de demissão, o beijo repentino do seu colega de trabalho, a chegada de sua irmã que vinha do interior, a morte de Osama, a criança atropelada no jornal, o chuveiro elétrico que estragara de vez, a comida do cachorro do vizinho que viajara em férias... e muitos outros asteriscos. 
        A sua concepção de "fora" já se distorcera do nível denotativo, transformando-se em uma extensão de sua própria imagem, ou, diga-se de passagem, outro problema. Em outras palavras, olhar para fora estava sendo uma árdua tarefa. Olhar para fora de sí; para fora do apartamento; para fora da biosfera. Era como pensar um corpo estranho e mergulhar em um mar de dúvidas e incertezas; afundar-se em um desespero sem motivos e sem destinação; como embarcar em um onibus sem placa ou destino; como defrontar-se com outro infinito, vasto e, ligeiramente, sombrio - do jeito que é seu quarto. Escuro, espaçoso e vazio. Seria a presença de mais um quarto desses, e a sinalização de algo muito além do que apenas um fim de dia; poderia ser o seu ultimo cerrar dos olhos. Suava frio. Sentiu seu sua testa enrugar e a água das curvas do cabelo escorragarem por entre as cavidades da velhice de sua pele. Ele tinha medo de se perder ainda mais... e... foi.
         Tinha medo de se perder para sempre num lugar sem sentido, sem esperança, sem o que conhecia. Como se em algum lugar pudesse haver isso - ele pensou em pensar nisso. Quando seus olhos piscaram, sua visão amanhecia, assim como uma criança vê, conscientemente, pela primeira vez a luz do sol. Suas mãos agarraram o endredom. Estava muito frio, silencioso, vazio. Mas ele viu, suas mãos escoregarem e, num risco, a luz esvair-se. Suspirou. Sentiu um alivio cercando-o pelos lados e a sua mãe buscou-o na escola. Seus dedos enroscaram-se. Não podia parar de abraçar sua irmã. Seu corpo inteiro, então, estremecia. Seu pai riu na mesa, e disse "vai pra lá, tu vais ser muito feliz, é pra onde todo mundo vai, tu vais ser o que tu quiseres meu filho." Ele chorou e chamou-o.
       "Onde eu estou?" ele perguntou.
        "No infinito." seu pai respondeu.

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