Sinal Verde

         Da aula de volta pra casa estava com uma tremenda dor de cabeça. Parei no sinal e a reconheci na faixa de pedestres. Seus passos curtos, as mãos enterradas no bolso e a manta da sua mãe. Foi inconsequente, imaturo e egocêntrico. Ao passo que nos aproximamos nos distanciamos mais e mais de nós mesmos. Mas, houve um afastamento – grita o meu subconsciente – Ou não! – grita o meu Id, controlador de araque. Só que após 5 anos, meu coração ainda respondia ao estimulo de sua presença; a pele suave, a expressão de um sorriso, de fato um sorriso um pouco amarelado, ensolarado; a linguagem poética, as mãos simetricamente largas de dedos fininhos; a sua voz aguda, afiada, tipo alfinete, embora levemente melódica, aspecto comum a uma porto alegrense, que toda vez que fala, parece piar como um  pardal ao acordar, e por último, mas não menos importante, a memória dos muitos orgasmos. Quem era ela afinal? Eu sempre batia na mesma tecla. A mentira nos contaminou como um vírus e nos entorpeceu como droga. Lembro quando fazíamos chá de ervas e tendíamos as ideias floridas do movimento hippie na época. Escutámos Elis,  Cazuza, Beatles, Pink Floyd, Rita Lee, e sim, fazíamos parte de uma resistência ideológica, e por isso, vestíamos as jeans. Foi triste a morte de John, Cazuza, Renato e, é obvio, de Caio F. Nos tornamos o que não somos e dissemos o que não diríamos. Mas, absorvemos muito por isso. Falamos uma língua que não era a nossa e nos entregamos sem realmente tirarmos as máscaras e conhecermos de verdade a nós mesmos, despido de culpas, de promessas, não estivemos crus em frente um ao outro, e não nos amamos. Progressivamente, em frente ao espelho, nos tornamos vampiros: irreconhecíveis, invisíveis e desinteressantes. Afastamo-nos dia a dia do nosso verdadeiro Eu, vivendo personagens de uma novela mexicana, encenando a vida real, nos apaixonando e odiando pelos nossos próprios personagens e toda atuação e literatura nas entrelinhas de nosso conto. E se hoje me apaixonei por ficção, tenho que agradecê-la, pois a culpa é dela. Quando subitamente percebi o vazio em minha volta e, também, a sua ausência, o sinal estava verde. Desde então me pergunto se também sou a leitura de um livro inacabado para ela, e se um dia anda teria a chance de conhecê-la fora dessa tragédia clássica. Guardei meu carro na garagem do condomínio, no estacionamento 9, e foi ali que cheguei  a conclusão: - só o destino, ironicamente, falará... –  não há conclusão.

Comentários

Suellen Rubira disse…
de um jeito maluco, o teu aglomerado de palavras emblemáticas fazem algum sentido! =D

muito bem! (citar Pink Floyd foi intertexto puro do primeiro conto que tem no Morangos Mofados - cujo título ñ recordo).

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