Prosa poética

         "Por favor, entregue o vazio de volta ao toque de minhas mãos."  Ouvi minha outra voz dizer.         
          Eu ainda sinto a chuva cair lá fora, que demora, descompassada, desliza na beirada do alpendre da sacada, distraida e destapada, coitada, sentindo o colírio das nuvens em sua superfície profunda. A chuva gélida do frio danado dos Pampas do sul: elas desciam,  as gotas, frívolas, sonoras como metal. De pouco a pouco preenchendo as gotas finais em minha piscina, de cima, eu via uma rima e um remo, pela fresta da porta, onde a ponte entre eu e o fora reside debalde. Em mim, em vão, ficou tudo. Quando, desde muito tempo, havia me acostumado com o nada. Em meus momentos escuros era tudo névoas e muros: concretos imaturos, sem forma ou conteúdo.
        Eu chorava pelo desconhecido e o imensurável mistério de cima das núvens - meus cobertores e  refúgios maniáticos. Via os algodãos se enroscarem em meus dedos e pensava que não haveria forma de não pensar; e o vazio nunca iria encontrar. "Com dois de mim, eu lá e eu cá." para mim resmunguei. Chorei até meu Outro naufragar. Como um navio afunda, num fundo escuro de um tenebroso mar. Retorcer as lágrimas ou desatar a chorar.
        Ultrapassaram as gotas do céu até a terra, das nuvens ao sobrado, na sacada do 4º andar. Eu via a chuva caindo a tarde toda, esperando o inverno passar. Descontente por não estar em pleno descontentamento recomecei a pensar,  num lugar, especialmente dentro de mim, em que em mim não há ninguem lá. 

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