Infância

Você sente esse cheiro de noite? Não perguntei se você sente esse cheiro à noite. Perguntei se sente o cheirinho de noite no ar? A noite é sorrateira, mas meus sentidos são prestigiosos. Coloco meu  guarda-sol e minha cadeira de praia no jardim e sento lá. Minha vó e eu. Espero pela lua das 10 da manhã, pois sei que ela vem. Sou um cara adiantado, que leva o ponteiro do relógio a risco. No entanto, não uso relógio. Reparo na sombra do asfalto batendo no pedaço de concreto que antes eu chamava de muro, se movendo conforme os carros passam na desvencilhada. Eu e minha vó. A noite se aproximava cada vez mais de mim e dela. O ar úmido e os sons dos cavalos passando, agúdo. Café da tarde no quintal. O balanço do vizinho indo e vindo de acordo com o vento. Os murmúrios e buzinas, tudo parte da noite, sinais de sua aproximação. A vó na porta de casa e de repente no varal da roupa, recolhendo as últimas peças. O cheiro da noite. O jornal das seis. O balanço da cadeira de embalo. Minha vó ria da novela das 9. Tudo eram sinais assim como as palavras cruzadas. Até que a noite apertou a campainha,e todo o pueril virou memória.

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