A Câmara Escura

           Era manhã, mas deixei o papel em branco. As horas arrastavam-se enquanto o nada me assombrava incessante. Algo curioso aconteceu pela noite quando lembrei de uma música. Breve e leve como uma ideia que vai embora deixando apenas teses e algumas conjunções desconexas para trás. Apenas ficava o cheiro do escuro pairando sobre o quarto. Aproximei-me da janela enquanto o tempo varria folhas e lembranças daquele lugar intimo e úmido. Os olhos da memória fitavam constantemente a paisagem. Foi, então, que me perdi no caminho do pensamento e afoguei-me durante uma incontrolável perda. Percorri a superfície, embora continuasse envolto ao seu breu supremo. Era a Câmara Escura dos sentimentos.
       Levantei-me apoiando as mãos na parede; e encharcado de pensamentos, resolvi andar. Ao passo que caminhava, escutei muitos lumúrios. A caneta encostava o papel e minha mão tremia. Havia placas sobre as portas ao longo da Câmara - assim como um hospital. Caminhei por minutos intermináveis e de repente ouvi uma voz inconfundível no meio da noite. Não poderia estar enganado, eu tinha que abrir essa porta; eu procurava por alguém e finalmente havia encontrado.
        Descobri algo pior do que o escuro; mais úmido e mais mortal atrás daquela porta. A caneta tocara o papel e meu pulso tremia. A Câmara guardava os olhos do inofensivo Medo. Senti pena e resolvi libertá-lo impulsivamente. Ao suar frio vi em seus olhos um rancor de sí. Então, notei que havia outro lugar ao meu redor. Estava em área rural, cortada por uma estrada de barro. Através da palavra o Medo vinha transformando-se naquele mesmo tornado: arrancando as casas, os postos e todos que tivessem pela frente. Meu dia, logo, ficara cinza pois foi sob uma tempestade que você se foi; uma tempestade eventual. Sem raios e trovões, empuxos ou meras contradições, voando para longe, muito alem de meus olhos e minhas mãos. Nada sei sobre o que veio depois... Tentei escrever, e você voou.
         Após isso, nunca mais entrei lá. Ouvi dizer que tenha tornado-se mais forte; quem sabe tenha decidido morar nas nuvens como algo que mereça morar mais próximo as estrelas? Minha única certeza é de que apenas guardei suas asas. Pois com elas, eu posso voar para longe de mim aonde não sinto dor, rancor ou remorso; e não há rastros de sua luz na minha estrada.


Comentários

Postagens mais visitadas