Quando ele se foi...

         E se eu sentir aquilo, vou estremecer? Eu pensei comigo. - O navio estava já ali. -Mas qual o motivo disso? Medo, ansiedade, surpresa, admiração. - Um carro encostava aos pés da praia e de dentro dele você surgiu. Você surgiu com a voz de quem não fala, mas grita no vazio do estacionamento de meu coração. Os silhos não se tocavam pois você era forte: olhos vermelhos da noite mal dormida. Um silêncio ensurdecedor, repleto de olhares de reconciliação, talvez por medo, ansiedade, surpresa ou admiração. Mãos tocaram meus ombros, abraçando-me com carinho, e traduzindo-me coisas, que nem sequer haveriam de existir ali: na embriagues dos sentimentos; uma ultima lição antes da partida. Não passara dois dias ou mais, desde que a resposta fora enviada. Tudo estava terminando. Ele deveria partir, afinal, era uma oportunidade unica; ele escolher ir mesmo que houvessem maquinas. Embora mil coisas velejassem contra mim por esse motivo: a distância; a saudade: ele tornou-se inflexível. Nós eramos pai e filho de boas risadas, bons jogos e boas piadas. Dividiamos os defeitos de igual para igual; talvez não tivéssemos aprendido muita coisa um com o outro; o que era ironico, uma vez que talvez a distância viesse a nos ensinar. Meu estômago fechou e eu o abracei como se não houvesse depois. Repeti varias vezes em silencio 'não me tire de onde eu pertenço, por favor'.  Mas seus braços soltavam-se aos poucos, replicando-me para encarar a realidade e ser feliz com ela. Não havia brigas nem gritos, apenas mãos dadas para um recomeço incerto. Subiu a proa quando segurei-o forte, ele me abanou com um rangir de dentes, como se lutasse e, então, sorriu: como se fosse tirar uma foto que nunca registrei. Guardo na memória o seu último olhar de vida e uma ultima lição: sentir me dá certeza de que estamos vivos e, por isso, sorrir.

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