9 meses depois

           Sem me dizer nada, tu me disseste tudo que carrego em mim até hoje. Só pensava nos ventos da praia. Pensava em como eles sopravam em sincronia obscura. Refletia sobre a lentidão de cada uma das notas enquanto seus olhos fechavam-se no leito da sua ultima aurora.
         Outro dia estava submerso em mais de duzentos daqueles mesmos pensamentos fervorosos que costumava repassar como um filme preferido em um ataque de nostalgia nervosa. Não fazia muito que chegado das ruas bati a porta preparado para aproximar-me mais uma vez. Passei pela cozinha, apanhei uma garrafa de vinho e sentei-me junto as almofadas da sala, próximo a estante escura de riscos nublados. Abri a última gaveta para começar a busca a sua procura. 
             Meu coração palpitou mais alto, mas ignorei-o e prossegui com o processo pendente. As janelas da sacada estavam abertas e as estrelas me encaravam talvez tentando ler meus pensamentos enquanto eu vasculhava cada maço de papel que havia socado ali durante o ano anterior. Por um segundo, hesitei em um impulso artístico de levar meu violão até a sacada e representar o papel do bom homem bêbado do século 19. Ao contrario disso, resolvi concentrar-me em você. E como não poderia? Havia marcas de você por todo lado. E se hoje ainda comia na mesa é para recompensar os sermões tradicionais dos almoços que perdi. Joguei todos papeis e contracheques ao chão enquanto meu peito acelerava desesperadamente. Lembrei de mais um aniversário em especial. Foi quando senti teu riso em algum lugar da estação se aproximando... Continuei cavando meu caminho para as fotos que eu ainda guardava até o momento em que finalmente segurei o envelope que as contia. Parei por um segundo, retornando a minha sensatez monótona de ser, retirei o selo e o abri. Talvez todas as catarses se agruparam e resolveram acontecer dentro de meus sentidos: minha mão tremula, meu coração  pulsante, meus olhos lacrimejantes e  minha boca seca. Eu sabia que aquele era meu apartamento e que o condomínio era seguro, que nenhuma bomba ou asteroide colidiria com a Terra; nenhum desastre natural aconteceria, não estava para morrer ( ao menos no sentido literal), porem algo me dizia que aquele era o apse, a ponta do precipício, o limite, o momento em que minhas emoções se perderiam, como se as luzes fossem apagadas para sempre, e eu não fosse achar a saide de algum lugar esquecido dentro de minha memoria fraca e inútil. Parecia que aquela noite de caos interior, havia me mostrado algo que eu não podia ver. Talvez o que eu não podia ver. Talvez o que eu não pudesse ver viesse depois. Ao te tocar nas fotos, deslizei os dedos desejando que me abraçasse, e tu sorriu para mim de novo na estação. Minha alma lavava o chão da sala,  deturpada de historias e impossibilidades. O ar se mostrava rarefeito. Sentia minha cabeça ecoar seu nome. Debati-me contra os sofás segurando suas fotos e documentos que escapavam entre meus dedos. Tua ausência me subia a garganta, meu estomago queimava inconformado. Eu estava apagando, pensando que poderia ser nos teus braços. Deitado na cama, no outro dia, não entendi porque senti teu cheiro, ou porque havia um copo de leite no bidê ao lado da cama. 
             Mas só podia ser você. É por isso que te amo, mãe.





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