O dia em que tudo parou

      Ao disparar os olhos sobre o pêndulo do relógio, o tempo passava sem passar. As sombras se arrastavam pela sala de jantar e era madrugada. Pensou no dia que estava para nascer enquanto roía um de seus dedos. Havia uma viagem pela frente e a ansiedade lhe consumia. Assim como os anos mudavam, era sabido que mudanças aconteceriam e a necessidade delas parecia cada vez mais transparente. Sua família dormia todo esse tempo e já era tempo demais para esperar que acordassem. Seus olhos estavam pesados, mas ele precisava dormir e a porta aproximava-se de suas intenções. Observou as escadas na última esperança de que alguém acordasse, no entanto não houve sinal. As notas fixadas na porta da geladeira  chamavam atenção sobre as regras da casa: Não abra a porta do freezer, mesmo se pretender fechá-la; Não suje o chão, mesmo se pretender limpar; Não ultrapasse os limites, mesmo se tomar responsabilidade por suas consequências; Não tenha curiosidade, mesmo se for curioso; Não veja TV, mesmo se quiser ver;
       A cozinha era grande  e retangular. Havia o tal relógio, a geladeira e um balcão velho de madeira que fazia volta. Nos fundos da mesma havia uma escadaria e em seu lado oposto havia uma porta com a seguinte inscrição "Pronto: destrave a maçaneta para viver sua vida.". A direção entre ele e a porta diminuia enquanto os recados na geladeira pareciam maiores e as letras aumentarem duas vezes o seu tamanho comum. O relógio soava três da manhã e eu imaginava todas coisas que esperavam por mim atras de seu universo no minimo diferente. Os segundos tornavam-se mais lentos que o normal enquanto meu pensamento temia o pior: não ter a coragem suficiente para combater a prosopopeia daquela cozinha sombria. Os armários tinham sorrisos ironicos e a geladeira murmurava algo para as anotações como se fosse uma espiã. A mesa tremia seus quatro pés enquanto meu corpo tremia por inteiro. A chaleira na boca do fogão assoviava frenética  lhe impulsionando a revelação. Todos objetos contra um. Sentiu-se suprimido. E no chão das escadas a sombras do trovão refletiam o clarão. Os dedos tocavam a maçaneta. Não havia ninguem ali. Segurou-a. Girou-a. Os armários abriam-se imóveis, estagnados no tempo.  Uma luz invadia a cozinha, seus olhos miravam a fresta. A mão que puxava a maçaneta exigia a realidade, exigia o impossivel naquela cozinha. Um vento cruzou seu rosto, ele não se esqueceu quem era, ele não parou.

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