Leap of Faith

        Tudo aconteceu tão... na verdade, num átimo. Estava em casa...  em seguida fui parar dentro de mim! Através de sons e vento, acabei por conhecer um rumor sobre mim, imensamente desconsertante. Tanto que  quando voltei a minha alteridade em frente ao espelho eu estava. Meus braços carregavam palavras, que carregavam dúvidas, dúvidas indubitáveis e... sobretudo um mistério irreconciliável sobre o amanhã. 
         Empilhei meus livros no armário e fechei as portas. Caminhei para a sala de estar inquieto. Pronto! Havia organizado o interior do armário, atravessado a cozinha com pingos de cloro, logo após o rodo do banheiro, passado lustra-móveis na superfície dos cômodos, tudo estava no seu devido lugar. Quem dera eu pensei. Me joguei exaurido no sofá. Enquanto afundava na almofada, contemplei a janela com meu olhar fixo pra dentro de mim. O som da TV ecoava ao fundo. Mas a inquietação superava o seu eco aumentando meu interesse no Acaso
       Bom, embora houvessem alguns milhões desses - é claro que falo sobre as vicissitudes - dentro do breu, pontinhos líquidos flutuantes acinzentados e pontiagudos, compostos de pensamentos impensáveis, caminhos trafegáveis, prováveis e outros nem tanto, consegui concentrar-me naquele esquisito e aforme, contorcido e empoeirado, contornado por ideias obvias e por outras, de fato, curiosíssimas. Engraçado como as palavras interferem no seu dia-a-dia e como duas ou três tem o poder de formar ideias,  somá-las a sua percepção sobre as pessoas e o meio onde se vive, e como resultado, decompor  aqueles que as leem. A leitura delas, por mais legível que se fizesse, tornava-se talvez complexa e um pouco profunda. Era como velejar em águas helênicas, desvendar uma língua anciã, como perceber as arbitrariedades de um Outro, aprender a natureza da própria razão, que não é a sua, uma busca epistemológica focada nas escolhas do incógnito caminho que fora tomado.
        Havia algo muito pontiagudo entalado na garganta. Senti-o, e toquei-o de leve. Uma verdade afiada como ponta da espada. Quem poderia prever o Acaso e aonde ele poderia levá-lo? Um risco a se tomar... Seria o prelúdio de uma tragédia? Algo não foi dito, mas foi escutado, alguém mais havia ouvido ou era somente eu? Senti o toque em meu pensamento, de uma voz vindo do além, de um outrem, de um dia que passou, mas não percebi.
      Aproximou-se sem deixar-se percebido, assim da mesma forma que chega o Rumor. Sentou-se no mesmo banco. Estávamos em uma estação de trem. Ouvi sopros e eles me diziam coisas, enquanto os vagões passavam ganhando velocidade, só deixavam um assovio que se combinavam aos sopros. Perguntei seriamente o por quê disso neste instante. Estaria tudo tão no lugar, nunca esteve tão no lugar. As palavras vinham densas e discretas, invertidas, desmembradas, como em um exercício chato de morfologia. Vários lexemas atravessavam a estação, cantando canções sobre a mentira sobre a verdade. Sobre as coisas que eu acreditava. Mas, eu relutei, contando-lhe, que eu tinha escolhido o caminho e somente eu, ninguém mais. Um vagão transbordou  sua sombra em uma passagem sorrateira em frente aos meus olhos e de repente se fez luz. O sopro deslizou para meus ombros e me disse que não era amargura que eu sentia, era a minha condição. Eu estava preso nesse mundo, e sabe-se lá como ou quando iria retornar a realidade. No que exatamente estou preso, eu pensei, fadado a mentiras, " profanos contos de fadas", o sopro disse. Você não precisa se esconder de mim. Mas quem falava comigo? Não precisa selecionar as palavras. Do que falas exatamente? Não precisas de barras de ferro. Estava cada vez mais confuso. Parecia algo mais do que eu poderia em sã natureza ser capaz de entender, naquela plataforma, naquele lugar esmaecido da minha memória.
      Todas informações eram apenas ruídos, e o que aquele acaso estaria me dizendo...volúpia, mentiras, amor, o que raios seriam aquelas, palavras soltas, fragmentadas. Sobre eu mesmo. Sobre minhas ações. Mas por quê? Sinto muito por não entender o que isso simplesmente quer dizer. Nem tudo é tão obvio para ser assim, jogado ao vento, falado, expressado e dito. Se toda escolha fora de plena consciência, é mentira? E se não fora somente eu, não fora eu mesmo. A bagunça hedionda, a mesa desorganizada, os armários abertos e a pilha de pratos, em cima do balcão da pia? Aonde você me levou durante a tarde? - A um passeio sobre a feia verdade. - suspirou o rumor.



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