Uma tarde no parque...

          
           Tentei carregá-lo no colo até o posto de saúde. Estivera contorcendo seus olhos enquanto sufocava.  Não sabia se iria aguentar até lá. Precisava cruzar o parque inteiro, atravessar uma ponte de madeira e contornar  um quiosque. Assim chegaria ao posto, onde iria entregá-la a moça da portaria. Parecia ser um filhote, talvez dois ou três meses. Tinha os olhos castanhos e pernas compridas demais. O que me fazia questionar se era realmente um filhote. As orelhas eram pontudas com curvas estreitas.
             Aconteceu enquanto eu ia para a escola. Em meu caminho diário, escutei um barulho esquisito atrás de um capim alto. Era um parque estranho, cheio de salgueiros, lagos cheios de salmões e raízes de árvores que saiam da terra por lugares também estranhos. Bom, por isso que sempre gostei dele. Havia certa ansiedade em atravessá-lo. Uma vez adentro, o objetivo era chegar ao seu fim. Um momento só meu. Da minha casa ao colégio havia alguns 40 minutos de caminhada. Isso antes de eu conhecer o parque, porque além de estranho, era um bom atalho. Fora uma descoberta que acontecera durante e apenas naquele ano. Era um outro caminho que recém descobrira e estava disposto a alterná-lo conforme minha paciência e interesse por ele. Não me apegava a caminhos. Achava-os entediantes assim que sabia o que aconteceria depois de dobrar uma esquina. Mas hoje seria diferente. Pois estaria na sexta série e havia apenas um ano que passeava por ele. Descobri em seguida que comecei a ir sozinho para escola. Meu amigo disse que era um caminho incerto e por isso resolvera não me acompanhar mais nas caminhadas. De fato, não desistiria de explora-lo porque meu amigo não estava afim de um pouco de aventura. Segurei os cadarços de meu tênis furado que minha mãe me obrigava a vestir para escola e os amarrei.
            Estava com tanta gripe que quase não conseguira respirar na noite anterior. Minha sorte é possuir a saúde de três touros mais um leopardo. Me curava rápido naquela época. Foi quando ouvi o estalar de uma folha por trás de um conjunto de folhas longas e altas. Achei estranhíssimo. Pois nunca vira o parque tão inabitado, aonde estava o velho de bengala que sentava no banco próximo a árvore do lago? E a moça embalando o bebê junto ao lenhador?  O parque era assim, tinha Madelaine, a enfermeira do posto médico que passava as tardes sentada na cadeira da recepção com uma mão que  segurava sua bochecha e a outra que preenchia formulários para ninguém. Pois nunca via uma alma dentro daquele lugar, era branquinho sem mais nenhuma cor. Havia alguns animaisinhos...  talvez uma menina de cabelos encaracolados e um rapaz  de rosto esguio e pele branquissima... algumas sardas no rosto... um homem de meia idade de barba azul atrás do balcão do quiosque. O menino de rosto esguio e a menina de cabelo encaracolado as vezes apareciam correndo pra lá e prá cá, do lago a ponte. Por volta da uma hora da tarde eles estavam ali, zanzando, pescando e atirando migalhas de pães da ponte de madeira.
                  Mas, enfim, o que estava atrás das folhas longas e altas era o que carregava em meus braços. Era algo peludo, branco e afofável. Seu olhos estavam triste na grama quando o encontrei, parecia estar paralisado em agonia. O gozado era que apenas seus olhos moviam-se, como se tivesse visto um boi-zebu e de repente tivesse paralisado.  Sua patinha estava dentro de um arame, parecia uma armadilha reinventada de um formato estranho hexagonal. Libertei a patinha do pobre coitado enquanto ele me encarava inerte. E corri para o posto!
                   Fiquei tão assustado pelo animal que corri o máximo que pude. Embora ele não se movesse, de alguma forma, percebia que ele queria muito, muito fazer qualquer coisa, mas não conseguia! Que agonizante foi vê-lo daquele jeito. Atravessei  a ponte, e lá estava o quiosque. Aproximei-o com cautela. Esperando que alguém  de barba azul surgisse em algum lugar de dentro dele. Mas ninguém ocorreu. Segui em direção ao posto logo no fim da estradinha. Ele estava lá também, como em todos os outros dias. Menos a moça Madelaine, sentada preenchendo formulários. Ela não estava lá! E agora? Eu resolvi entrar no posto de qualquer forma. O balcão era da altura da minha boca. Eu sempre fui pequeno. Pequeno demais. Tão pequeno, que precisava fazer algo grande, como por exemplo, ajudar o coelho.  Pensei, ele não tem com o que se preocupar, pois eu iria achar alguém pra acudir ele.  Não havia ninguém atrás do balcão, mas vi uma placa que sinalizava  que haveria algumas salas de atendimento médico através de um corredor logo a esquerda. Avistei uma porta entre aberta em um fim incognoscível. Corri pelo corredor que não parecia terminar. O quê? Estranhíssimo. Naquela tarde nublada como em todas as outras, tudo estava da mesma forma só que menos habitado. Ao adentrar o escritório, vi a coisa mais horripilante de todos os filmes de terror em toda face da terra. A enfermeira acima do peso Madelaine estava de cabeça para baixo toda enredada em fios brancos naquela sala. Parecia um lustre humano e seu formato dava a entender que parecia ter sido transformada em abajur. Sem saber o que exatamente eu via, pisquei os olhos com força. E pensei, eu não estou vendo isso, ou melhor, eu não posso estar vendo isso, porque isso não faz parte do que é possível de se ver.

             

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