1. Essência

           Vivia pelo instante. Sonhava grande. Respirava pouco fundo. Assim era o organismo urbano e a vida adulta. Um caminho de colecionares arrependimentos. Do erro entre escolher sendo quem voce é ou escolher sendo quem voce acha que precisa ser. Ali estava eu numa rodovia, recostada no banco,  a exata matéria-prima para tragédia. Meu rosto devia parecer sereno e leve, devotada as aparencias, a estética e a comedia romantica americana. Contudo com a imensa Vontade de estar em um daqueles aviões que a cada dez minutos sobrevoava os predios da Av. Paulista. Mas ninguem perceberia isso. Viam nada alem de meu corpo, meus traços meigos e a pessoa que eu aparentava ser. Nada alem do que os olhos pudessem ver. Seriam as pessoas tão ingenuas a pensar que todos são o que parecem ser? Fosse isso ou não, minha vida nada mais é do que um salto de trampolim na piscina da identidade. O verbo to be nunca deixou de ser materia de capa da revista da minha vida. Existe a cada edição centenas de assuntos, colunas e perspectivas ainda não desvendadas por mim mesma. Que a propaganda é a alma do negócio todos já sabem. Mas propaganda vende uma ideia, lembra? Assim como as modelos do escritório da revista em que trabalhava, majerrimas. Todas lindas. Uma mais linda que a outra. Começavam vendendo o trabalho, terminavam vendendo o corpo. Arduo seria se a sociedade tivesse que escolher vários padrões de beleza. Ficavam um ou dois meses pousando pra revista. E logo em seguida, quando os problemas dessas meninas começavam a serem revelados, iam sendo demitidas. Esse é o grande problema da propaganda, não é mesmo? Propagandas não foram feitas para o ser humano. Ser humano é muito mais do que um periodo simples. Tem virgulas, exclamações, entreaspas e reticências... Eu não queria mergulhar em um mundo de negocios. Negocios dos quais não se tem a escolha de mudar, uma vez que você assina todas suas clausulas. E eu quero mudar a forma, o espirito, a cor do mel de meus lábios... ser santa, ser puta, ser relax, ser intelectual, quero ser o que vier na cabeça. Do que vale uma essência fixa ou a alma vazia e uma vida de regras? Seria o núcleo da terra sua verdadeira alma? Se for, estaria ela condenada por milênios? O ar da rua era pouco úmido. O caminho para casa era sempre repleto de semáfaros. Respirei descansada. Estava segura ali dentro... quente e acariciada. Mas o que isso dizia sobre quem eu era?Enquanto eu alisava o vidro da porta de passageiro, um mendigo dormia de baixo de um alpendre sobre um papelão rasgado. Os mendigos pareciam colagem colocados ali. Não pertenciam aquele mundo. Deveriam ter sido recortados da praça da Sé. Pelo menos eles deveriam saber quem eles são, não? Causava-me angústia tal confusão. Eu não era vista por quem eu era, e quando era descrita como fosse, já não estaria sendo a mesma pessoa. Não que fosse minha maior ambição. Ser desvendada. Talvez embora eu tivesse tudo, queresse apenas um pouco de atenção.


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