2. Dinheiro, poder e glória

                  Era manhã cedo. Meus olhos esmeralda brilhantes no comeco de uma nova semana. Embora tão cedo fosse, aquela sensação de tão vivida, aquela manhã, já havia sido sentida. Mas o que faria uma mulher de 35 anos na beira do Guaiba pelo amanhecer. Seria uma contradição dizer que a vida de uma artista famosa não é sobre decadência? Aliás, ser adulto não é sobre viver a decadência?  Vai ver por isso os velhos preferem os netos. Crianças tem vida. Mas e o adulto, o que ele tem, senão o oco. Se não houvessem as drogas hoje, não haveria eu. Meu top de flores impecável, azuis da cor da água, - água da viagem a Baixada... praia do mar de Guarujá. - Minhas unhas repousavam sobre as celulites das minha perna, que haviam deixado de serem escondidas já fazia cerca de duas semanas. Só usava shortinhos provocantes para mostra-las nos corredores do meu antigo prédio. Não que auto-estima nunca tivesse sido o motivo de algumas conversas com meu terapeuta. Cristovan sempre é objetivo e crú em suas análises, para não dizer cruel. Me colocava naquele divã maravilhoso dele, que me fazia perder o proposito da consulta, pois eu queria relaxar-me e receber a bela de uma massagem. Cristovan tinha mãos grandes como poderiam ser as de Arnold Schwazneger na vida real. Mãos delineadas, rústicas, unhas cuidadasb porem péssimo hálito. As celulites já haviam me incomodado o suficiente no início do ocaso biológico advindo das três décadas do viver. Minha segurança sempre veio do cabelo e do meu rosto impecável, intocado pelo tempo. Cor do cabelo. Movimento do cabelo. Corte do cabelo. Disposição do cabelo. O poder era o Cabelo. Assim como era o tamanho do pênis pro homem. Tem homem que até compara pra sentir-se orgulhoso. Sei disso porque fui casada com alguns por algum tempo. Já mulher sem o glamour do cuidado com o cabelo era equivalente a um homem de pau pequeno. Comentei nas conversas de camarim o tema: a importância do cabelo. Ao visível, meu cabelo deveria acertar alguns corações pois alguns Serafins perfumavam alguns dos meus fios, e contrabandiavam a um certo Cú-pido que os transformava em flechas para uso pessoal. Me atraía a emocao, dos olhares e da juventude, da ignorância sobre a existência da decadência. Como todo carro, sua gasolina, esse combustivel, que tece com a linha do destino a irônica dualidade adormecida em meu âmago, um dia acaba. Conhecia-me melhor esse ano, pois entendia meus personagens melhor. Ah, meus personagens. Eu vivia muitos. Quase todos iam morrendo e sobrevivendo, digamos que em uma UTI eterna. Abafados pelos pulsos de vida que me restavam. Acreditava que era por causa das odisseias pelas quais atravessavam. Preferia acreditar que meus favoritos vinham a quase falecer em florestas tropicais. Aquelas ribanceiras de rios estapafúrdios e nada especiais; de correntezas violentíssimas; tragicamente esquecidos por quem um dia os amou.  Mesmo quando houvesse alguém a procura, a agua se misturaria com os corpos e nenhum seria encontrado. Nem Estácio, nem Tadeu, ou Camila pois lá habitava minha água doce. Mas a esperança de que os fossem procurar, mesmo que inalcançáveis, servia-me como religião. Essa gasolina, fazia-me viver o constante resistir. Estácio... morto pela indiferença.  Tadeu... traído pela sabedoria.  Camila, deixada pela distância.  No intervalo de criação entre um e outro jaziam o dinheiro, as drogas e o conhecimento. Eu era engolida por esse rio de mistérios, o caminho menos percorrido pela gaivota  bicando a superfície do Guaiba, enquanto os barcos, da outra margem do mesmo rio, flutuavam ancorados na mesma.  Não sei se foi a cocaína ou Estacio... mas algo suspirou-me "És portanto a falta de plenitude, que alimentava meus sonhos e a me dar ânsia de navegar..." a descrever-me incompleta. Sentia as linhas tortas das ondas e a salubridade arder mInhas narinas. Buscava o ânimo. Lógico que eram as drogas o motivo de haver uma mulher maravilhosamente decadente em plena margem do rio de uma capital falida. Algum sexista passando em um dos carros pelo Iberê provavelmente deve acreditar que estou pedindo encarecidamente por um estupro. Eu já fui estuprada algumas vezes e não pedi nenhuma delas. Lembro casualmente mas não falo sobre. Sinto que poderia destruir minha carreira...minha imagem. Não dói lembrar... não dói nada depois de cheira-las. As marolas quebrando, jogando num assopro uma delas contra a outra, em competição de empuxos. Embora não saiba nem o que a Física significa por empuxo, prefiro a Arte. O sol. A água. O sal. Queria cheirar as dunas... a praia.. a maresia da areia... o verão. Eu queria as ondas. Fechei Meus olhos. Precisava delas.

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