4. Nomes

      Eu era mais temperamental. Menos sabida. E os metrôs eram longos. Mas chegavam em casa. Na época, eu era Camila. Fui ser modelo em uma agência em Paris, morei seis meses na cidade da luz, pouco tempo para perceber minha alma solitaria no reflexo de uma escultura grega no Louvre e querer voltar. Mas isso foi antes de São Paulo, antes de conhecer Nair, a menina do Acre- que havia acabado nas ruas pedindo esmola- ser traída pelo conhecimento e... deixada pela distância. Quando voltei de Paris já tinha um portfolio e tanto. Tentava achar minhas chaves enquanto Elias, meu bulldog francês e a paixão de minha vida, mordia minha sapatilha contestando sobre minha saída. Elias tinha 3 meses já.. dormia com seu rosto apoiado no meu pescoço e roncava até receber caricia na sua testa marrom. O nome veio de um moço bondoso de rua em São Paulo que divide o papelão-cama com a Nair e faz ela se sentir um pouquinho mais humana e menos sozinha: mesmo depois de tudo. Ele ajudou ela a sobreviver morando na rua. Foi amigo, irmão e dividiu o pão ate onde eu sei. As vezes tinha uma recaida no crack m, mas a maior parte do tempo esta sobrio, enfrentando a homofobia e o medo que rico tem de moradores de rua.  Gosto de brincar com nomes, entao decidi usar o começo do seu nome Enzo e o sobrenome de Nair, Lias. E foi assim que Elias nasceu. Dividido entre sua raça classuda e seus movimentos  selvagens. Tinha atitudes de macho alfa: mijava nas laterais de sofa, rosnava para estranhos e depois vinha dar carinho quando bem quisesse, cheirava minhas sapatilhas recem usadas para me cerificar de que outros fucinhos nao andavam arfando la. Porem tudo mudou quando Nida apareceu na minha vida. O amável Elias ainda mordia minha sapatilha quando a campainha tocou. Um homem elegante havia me encontrado, - Elias rusnou para ele como quem diz " vai cagar fora da minha casa". -dizia ter uma proposta para o teatro. O teatro e o Elias foram a minha valvula de escape, meus amores eternos. Andava com essas crises no trabalho. Achava tudo tão raso e vão. Modelar para revistas, exposicao de grifes. Cansei-me, dei um tempo a minha beleza externa e resolvi embelezar minha alma com Arte. Trabalhei com o diretor de teatro Umberto Fraga - o mesmo homem o qual fui reconhecida em um revista, que costumava chama-lo de Fraguinha., queridinho dos gays locais, das pessoas mais zens e de gente dos cursos de humanas da USP. Trabalhei em oficinas de teatro e logo em seguida fui chamada para um filme independente. L'amour du Bouche fez sucesso no Cinema Itau independente. Passou em muitas sessoes do verão daquele ano ainda fatidico. O mesmo cinema que conheci Lugo. Fatidico foi o desejar proibido, em um ano em que o amor estava morto. Despertou-me de um coma como o beijo do principe da Branca de Neve e nunca mais senti força tão ameacadora sob mim mesma quanto o sentimento inabalavel do seu olhar e ouvidos preciosos. Ah, Lugo, se eu soubesse que te tornarias a safira a qual o destino abruptamente apanharia de mim, como o roubo de um suspiro no declive ingrime da rua Augusta... Rapido e imperceptivel como mágica. Mágica que expirou da validade. E por este ano revivi sob holofotes, sentia-me uma das estrelas de Cabaret, desejadas por gangs rivais e pelas naçoes. Renascida de cinzas como a Fênix. Motivo de chacinas, intrigas e trafico de drogas. Romeu e Julieta pós-moderno, onde nao ha necessidade para um Romeo em cena. Prometi a mim mesma que me tornaria uma das atrizes dos filmes em cartaz. Minha primeira sessao de cinema em Sao Paulo. Queria parecer um pouco só quem sabe com a Renata Sorrah ou a Gloria Pires... pensei que elas nao me ouviriam enquanto pensava alto nas ultimas corredor de assentos do cinema.. mas ouviram... assim como meu querido e sempre amado Lugo, que não ouviria hoje meu lamento nas margens do Guaiba. Tão longe de mim mesma eu vivia. Ou longe, apenas, de uma parte de mim, que fui obrigada a arrancar em uma cirurgia sentimental. Pouco a pouco me importo menos com o que penso, pois ja nao vale a pena ter-me sem parte de mim. Vaga alma flutuante e apaixonada. Cada vez mais desimportando-se mais com o mundo. Num trajeto irrevogavelmente incurável. Doente do ego, da fuga do ego, da fuga do ' eu' sem encontros com um abrigo a que eu pertença de alma. Não ha lar enquanto o coração não está, há? Choro. Continuo temperamental, conscientemente pouco sabida, e sem metrôs em minha rotina de ser. Já é escuro em mim desde que eu vim, contudo já não sou aquela Camila, e  onda dos meus pés não sao as mesmas da praia de São Vicente.


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