Retratos




Meus cabelos dançavam ao som da velocidade e o ronco do motor. Nada mais leve que a estrada e o amanhecer nelas. O sol irradiante atravessando como flechas por entre as construções e ele me tirava daquele convívio desarmônico. Pela primeira vez em muito tempo sentia-me livre e onde eu realmente pertencia. Fundíamos a existência em um ato de independência. Dominávamos a cidade ou assim era o que meus sentidos comunicavam meu corpo. Pulsões elétricas navegando pelo meu corpo como uma onda de calor que começava  em minha nuca e deslizava pelo meu antebraço que descansava na porta do carro. Isto era o gozo que me habitava, como uma criança que nunca o teve desvinculado de qualquer violência. E isto era o que causava nele: tremores de adrenalina. Era como se os olhos dele esperassem isso de mim repetidamente. Vibrassem como se minha sensação de liberdade alimentasse a própria esperança de seus desencontros na metrópole. Aquilo era uma evidencia pra ele, ou talvez uma grande expectativa: dias efusivos marcavam o horizonte daquelas vistas que tiravam nosso ar enquanto descíamos para praia. E da apreciação lúdica daquela troca de energias, eu enchia-me de esperanças novas. Eu tinha o desejo e a esperança de um antecipado e praticável futuro em que o presente fosse habitável e pleno de ser.

Minha mãe dizia que quando eu nasci  minha primeira expressão não havia sido o choro. Ela dizia porem que de alguma forma meus olhos eram tristes. As semanas passavam e meus olhos permaneciam assim, divididos entre pena e dor. O efeito do meu espirito a preocupou por um tempo pois minha alma não parecia estar  em meu interior mas mergulhando em meu sangue, brotando em minha respiração; uma alma de dar medo, pois essa conhecia as dores do mundo, de suas incapacidades e portanto das correntes que o prendiam, teias de algo que ainda nao entendiamos. Eu mamava e meus olhos continuavam tristes. Mesmo apos as urgências fisiologicas  meu rosto dedicava-se a tristeza. Todos os exames ja haviam sido feitos. Mesmo assim os pediatras não puderam dizer o que era mesmo depois de três diagnosticos sem identificar atraves dos sintomas uma resposta para o que eu sofria. A conclusão de minha condição foi: a menina é triste. Anos mais tarde, era natal, na tentativa de salvar seu relacionamento com minha mãe, meu pai trouxe uma TV a cores pra casa, porem o presente não teve o efeito de duração que ele esperava -  o relacionamento dos dois não se arrastaria por mais um ano. Minha mãe percebeu, contudo, que no ano que sucedeu a saída de papai de casa, aos poucos meu rosto foi ganhando alguma expressão diferente. Os lábios de minha boca se estendiam para as laterais quando coiote caía em suas próprias armadilhas... lembro como se fosse ontem. Nunca houvera meus lábios repousado, pois minha mãe pela primeira vez recuperava as forças da ida de papai. E eu me sentia responsável e decida de manter-me aparentemente feliz, pois entendia que minha mãe andara desnutrida da felicidade. Algo que só eu poderia então lhe entregar.  


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