Sobre os sonhos, a culpa e o fracasso

Olhei para osdois cantos do travesseiro como se procurasse alguma coisa. Apesar da sensação, sabia que não havia nada ali para ser perdido. Expirei uma corrente longa de ar de meus pulmoes, esvaziando-o de um sentimento esquisito, mas familiar. Brotava como uma flor do mal, uma emoção confusa rm mim. Eu havia cometido um crime, e sabia, pela culpa que circulava  como dragões de cômodo  circulando em meu umbigo. Eu sentia como se fosse gin pura, deslizando pelo meu esôfago. A bile voltava por algum canto da garganta, mas que crime havia sido este?! Aliás, o que é um crime? Se a moralidade do culpado não consegue ser justificada. Eu escorrego para a beira da cama enquanto coloco minhas mãos na cabeças apoiando meus cotovelos nas pernas. Essa sensação criminógena tem sido frequente? É algo corrente ou pertence ao passado? Vou tentando decifrar meu crime, colocando-me como detetive de mim mesmo. É assim desde sempre que deixei pra trás meu passado. E, ás vezes, ele vem me açoitar e assustar. Entendo. Sinto como se fosse parte de um castigo ou qualquer coisa do gênero. Mas por que você mereceria um castigo?  Porque eu acredito que tenha errado demais com a vida e principalmente com os participantes da minha. Espera. Você matou familiares? Não. Não removi a vida de ninguem. É como se parte de mim soubesse os limites do que fosse possível e praticável; técnico e pragmático; mas lutasse contra uma força maior e mais forte do que eu. É uma espécie de arrependimento, então. Quase isso se fosse só isso. Essa coisa que diz pra mim: você ainda faz tudo errado ou a culpa é sua. O que que você se arrepende? Talvez eu nunca devesse deixar essas vozes entrarem na minha pele; nas minhas fraquezas, na meus verdadeiros ponto fracos. Por que deixa então? Não sei e nem entendo. Mas é assim comigo, eu escolho isso pra mim. Portanto, deve ser culpa minha.

"Não me leve a mal", procuro dizer pra mim mesmo, pois nada do que eu faço é para atingir a mim mesmo. Mas atinjo. Atinjo quando parte de mim não está aqui comigo. Quando eu poderia estar em outro lugar, mesmo que não exista mais. Que outro lugar? Outro. Sim. E que visito enquanto durmo. Certo. Você gosta de falar sobre sua  dor. Posso? Siga em frente. Me atinjo quando percebo pelo seu rosto, que sempre encontro em sonhos, uma parte de mim que não é exatamente o amor, mas o fracasso embalado no amor. Rosto de quem? Meu? Não seu. Meu. Me atinjo quando  creio no que nunca poderia ter dado certo. Me pego preso em especulações. Em tudo aquilo que poderia ter sido. Em quem nunca poderia ter sido um parceiro bom pra mim. Me atinjo. Todas as vezes. Nos sonhos. É sobre o amor, nos sonhos.

Dizem que é só lá mesmo. Por que? Por que somos seres contextualizados Não nos cabe amor fora do devaneio. Ou do sonho. Mas depende do amor que você esteja se referindo. No amor do sonho, que já foi real mas persiste no sonho. Você rejeita amar o real. Não exatamente, mas havia algo faltando. Mas não era outra pessoa. Hoje faltam ambos. Entendo. Dizem que os pesadelos são ruins, mas eu venho a discordar disso. A penumbra do pesadelo se arrasta até o tropos do seu momento fatal, mas o sonho... Por que você tem medo dos sonhos? Pois mesmo com os olhos acordados ele continua. Ele vai te corroendo como se tudo aquilo que você tivesse por certeza,  se esfarelasse diante dos seus olhos e você enxergasse, naquelas raras e estranhas vezes da vida, quem você realmente é, desnudo dos escudos e desprovido de todas defesas. Nesse instante consigo sentir o que meu corpo realmente sente. É como se essa versão mais autentica de mim me dissesse, o amor é isso: desintegração da realidade, conflito espacial e temporal e fracassos emocionais. Sua experiência possui um teor altamente negativo. O sonho  vai se arrastando na vida, descascando sua realidade e o seu centro. Minha? Bom, de quem quer que seja. Por isso, alguns sonhos nunca serão bons. Já tentei me perguntar por que isso acontece... Mas me dói tanto, e me pego as vezes me culpando em silêncio. Ainda não entendo  a culpa. Nesse casco oco que fiz parecer ser eu mesmo estou perdido. Estou perdido e estou triste. Nem sempre. Mas esse é o meu eu dos sonhos...  Se eu soubesse que continuaria sonhando por todos esses anos, teria criado uma máquina do tempo, voltado e me avisado sobre todos esses escombros de memórias  afetivas que eu viria empilhar... Continuo criando memórias, como se nossa vida continuasse. Parte de mim se sente mal por não conseguir dizer não a esses encontros casuais. Sonhos são manifestações do inconsciente, para Freud. Quase isso acontecem sem pedir permissão para entrar e simplesmente vão consumindo minha atenção. Isso resulta no fato de que eu ficcionalizo vidas e e que parte de mim vive nessa ficção em que eu estou sempre em dúvidas sobre meu presente. Dúvidas sobre o que? Sobre minhas certezas. E isso dói,  mas, mais do que isso, dói eu perceber o meu fracasso como ser.

Não entendi sobre o que você estava falando. Menos ingênuo, eu acordei do sonho hoje pensando nos passeios que dávamos naquele shopping. E você em algum momento me disse: eu acho que devia me separar, olhando pra mim como se esperasse algo. Frases como essa, vindo das pessoas que mexem conosco, mexem também com o fogo de nossa alma, aquele que controlamos para que não destrua nossa vida por inteiro. Um fogo natural, faíscas que nos motivam a viver. Meu fracasso como ser foi ter respondido: eu também. Por isso a culpa: sinto-me sozinho nessa ilha em que moro junto as faiscas de meu peito. As vezes não tem ar lá, isso se deve ao peso do o amor. É tão grande que você se acorda afogado nas lágrimas e no catarro de tanto que chorou sem perceber. Seria o ideal não amar? Seria o ideal amar uma só vez?  Não sei racionalizar essas coisas, pois apenas sinto muito a existência delas. Meu crime é ter acreditado que eu amo demais, pois quando você ama demais, você sempre perde.

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