Sobre pensar e sentir

Alguns nunca saberão o que é sentir. Pois não permitem-se.
Apesar do pensamento racional ser um tema clássico ao campo da filosofia pura, o contexto social atravessa e afeta níveis cognitivos e psicológicos invisíveis a uma impressão mais crua das coisas. Destaco a importância de aceitar que em um circulo social, o mundo não é só formatado/configurado pelo sujeito, como também é o agente que influencia indiretamente seus desejos e ações. O mundo , portanto, vai formatando o sujeito sem sua autorização ou consciência. Além disso, ao pensar na natureza da ação humana em um contexto social também precisamos considerar que em um período de hiperconexão global, a diversidade cultural, social e simbólica se fundem e coexistem entre si em permanente troca. A consequência dessas variáveis é a desconstrução da ideia de razão inata e razão pura, sobre a abstração e compreensão das coisas, principalmente na percepção de outros sujeitos.
Embora o sentimento seja inevitável, portanto alguns escolhem negar o sentir, crendo estarem imunes do sentimento no mundo a medida que negativizam o ato de sentir. Nesse caso, indivíduos intelectualmente capacitados, recaem em um limbo preambular do pensamento intelectual sobre esta dicotomia. Os auto-legitimados racionais creem que sentir é uma fraqueza. Baseiam seus atos e projetos com base na ausência de sentimento e sucesso, sem perceber que ambos a presença do sentimento e o sucesso estão intimamente ligados. Pensam e pensam mais um pouco em como não sentir. Não percebem o quão absorvidos estão pela razão, a ponto de não verem a alma e o tempo da alma. Os auto-legitimados racionais esquecem-se que os excessos também são fraquezas.
Por outro lado, é muito fácil se deixar levar pelo que sentimos, e talvez por isto, sentir seja compreendido como uma fraqueza. Pois quando isso acontece vamos perdendo o critério dos fatos e das coisas. A percepção dos eventos e dos fatos são aspectos que destacam o raciocínio e a racionalidade. A sequência é parte integrante da razão entre as coisas e os eventos. Porém a perda do critério dos fatos também pode estrar na falta de percepção sobre o excesso, isto é a focalização excedente em sequencializar e pontuar os fatos. A perda do crivo crítico é perder inadmissivelmente o que se sabe, o que, por consequência, torna o ser menos crítico. Menos atento em relação ao seu redor e suas manifestações, ou menos realista.
Se a realidade está lá fora, e a razão está impulsionada para dentro do ser, existe a probabilidde de a razão estar fadada ao ego. O ego por sua vez está intrinsicamente ligado ao afeto e ao desejo mais individualista da esfera humana, e também ligado a identidade do ser. É justamente na fixação à razão que se perde a humanidade do crítico, e , em vez disso, se expressa o egoísmo. A percepção fica mais visível quando permite-se aos auto-legitimados racionais perguntarem-se: Se sentir é a fraqueza, porque amar a permanência da razão? E aí vem a cegueira da razão, como uma cachoeira invisível entre o homem e o seu outro, atrapalhar na comunicação humana.
Parto do princípio que o mundo social é um espaço opressor. É claro que o homem que pensa, em um mundo que insiste fazê-lo desaprender, merece todos seus méritos, afinal, se assentou de modo digno na lógica das coisas, expressando sua identidade sem piscar duas vezes seus olhos. A bravura e convicção ofertada pela razão traz-lhe o mérito merecedor. Mas merece? Por outro lado, creio que sejamos um pouco reféns em um mundo que precisamos coexistir com o preconceito, planejado e estruturado por meio de opressão. Tornamos-nos mais duros se nos forjarmos dos melhores argumentos e explicações; menos vulneráveis ao nos precipitarmos ao outro nível das possibilidades discursivas do interlocutor. É vital destacar que, em um contexto de opressão, se leva tempo para aprender a reconhecer esses vazios entre o desejo e o funcionamento das coisas, se distanciar do seu próprio querer, preocupando-se com o desabrochar dos acontecimentos. Na opressão o que se aprende e se desenvolve a interioridade. Existe uma necessidade de aprender as razões internas para a expressão da identidade, uma razão trabalhada para o auto-amor. É no contexto de preconceito, violência verbal e manipulação afetiva que o ser é puxado para o miolo do pensamento. O sujeito é induzido pelas situações a pensar em como defender-se, como escapar da violência verbal, e como fechar seus sentimentos para o outro, a medida que é enfatizado que isso é o essencial para sobreviver.
No entanto, na circunstância de uma criação em um ambiente menos opressor, o intelectual, se isso for possível, pode esquecer da multiplicidade das possibilidades de aquisição histórica do homem. É neste ponto articulatório que é localizado o tendão de aquiles do pensador crítico. O crítico falha pelo excesso de despersonalização do homem, pecando pelo amor à razão e apontando para alguns de seus fracassos estruturais, que denominarei o retorno à razão. A fuga da razão, portanto, é a fuga também da particularidade humana. Os pontos do seu fracasso expressam que o pensador precisa revisar o caminho de seu alcance a uma lógica-pura da razão. Os passos seguintes sublinham esse caminho tortuoso do intelectual com o crivo crítico.
Os itens escolhidos neste texto realizam uma trajetória em direção ao desenvolvimento do pensamento crítico. Esta escolha se baseia em um conceito transcultural e interdisciplinar. Primeiro pretendo citá-los com uma breve explicativa sobre sua definição. Logo em seguida me aventurarei com profundidade o funcionamento de cada um dos itens.
A escuta, para o reconhecimento dos fatos e dos argumentos;
A agência pessoal, para não destacar uma anuência a posição do outro;
A lógica básica, para não perder-se na vagueza da comunicação;
A percepção da fisicalidade, para atender a expressão corporal do interlocutor;
O tom, o pensador precisa atentar para o humor navegado pelo discurso.

É mais fácil aprender a pensar do que deslizar sobre a sabedoria.

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