O processo do derretimento (está tarde para sonhar)

Sempre me vi como uma pessoa quente, 
mas me descobri uma pedra de gelo, mantida no freezer em um verão inacabável. 
Seria essa a minha natureza? 
Passar a vida com a sensação de um verão triste 
com a ideia de um fim inalcançável? 
Julgo-me frio, pois, a esta altura, 
já coabito e acaricio a ideia da conformação da tristeza. 

 Isto sou eu, que, vivendo em uma bolha, espaço lúdico qualquer, multiplicou momentos felizes e dividiu por quatro. 

Esperando que alguém não dissesse, "eu vou embora.". 

Mas minha fala não pára por ai... 
Minha questão não é a solidão... É você. 
Raio de jupiter, que não sai dos meus dias tempestis.

É tão irreconhecível meu rosto no espelho, hoje. 
Mas é tão necessário todas essas metamorfoses pelas quais passo.  
Me redescobri como um homem inteiro ao ver meus pedaços e juntá-los. 

Como se sentasse em uma tarde de primavera 
para montar as peças de um quebra-cabeças feito de flores. 
Estou ali, às vezes, no reflexo do espelho montado e completo. Amém. 
Talvez, no fim disso tudo, eu ainda continue sendo um copo da água no freezer, mas o freezer talvez tenha parado de funcionar e minha temperatura esteja menos baixa.

Tenho medo do tempo e de sua finalidade. O tempo passa, a noite vem a porta, descobrimos que os anos são livros em que aprendemos mais sobre nossos erros. Eu repouso-os sobre a mesa a minha frente, observo-os, penso que sem essas aprendizagens, eu não poderia ter continuado. Contudo, me entristeço por tudo que não pude ter, quando me foi dada a chance. 

"Eu era completamente apaixonado por dois homens em minha vida." Isso eu direi no portão dos céus, naquele episódio católico clássico para entrada do paraíso, afinal creio que eu ainda vá entrar no Céu. 

--Até lá, os gays e o prazer já haverão entrado no céu, se Deus quiser -- 

"Mas não pude fazer o meu melhor com eles," eu continuarei, "pois sempre fui uma pessoa péssima, pois nunca soubera escutá-los ou manter-me em silêncio." 

Espero que, dizendo isso, possa reencontrá-los para dar um abraço 
que esquente a temperatura da água de meu copo. 
Um copo de plástico de aniversário 
de um primo de segundo grau.

No entanto, acho, honestamente, que o primeiro homem, até onde eu sei, também ficou devendo suas parcelas de "ponderação" para si mesmo. Mas, o segundo, a culpa foi inteiramente minha. 

Primeiro, pois eu fazia sua vida um inferno. Dentro de um intervalo de tempo, se eu percebia que pressionava-o demais, eu parava, tentando controlar-me para não sobrepujar minhas ideias e meu ser sobre sua cabeça. Culpava-o pela ausência de sexo no dia-a-dia. Eu exigia controle sobre ele, coisa de que me arrependo hoje, pois não há controle. A falta de argumentação da parte dele não serve de desculpas para as coisas que eu disse, pois parte de mim pensa que, se ele fosse diferente, se ele se posicionasse talvez eu não tivesse pressionado tanto, sido tão insistente, tão sufocante. A única pessoa errada fui eu. Ele me ajudou, mas mal sabia eu que sua ajuda acabaria levando ao desfecho da relação que eu havia estragado. 

Pensei no quanto eu me metamorfoseei neste freezer em minha vida. 
Freezer imenso e de muita culpa sobre minhas ações. 

É positivo que eu perceba isso, 
ganho autonomia para puder me transformar no que eu realmente sou e o que quero ser, sem o medo. Por outro lado, é triste. .

 Sabe os vampiros mais espiritualizados, 
que sonham e se emocionam com a ideia de ver o sol outra vez, 
mas o sol é tudo aquilo que nunca mais irão ver? É assim como me sinto. 
Trancado na impossibilidade de algo real.

Pesadelo é quando o passado assombra os sonhos, e disso, eu não tenho controle. O mal, as representações do mal e as repressões, os traumas, sempre me acompanharam de mãozinhas dadas. 

Com o passado surgem os arrependimentos,] a saudade, o amor, tudo aquilo que eu poderia ter tido, e a lembrança de quão repugnante eu fui. Eu fui o abismo, tendo a dizer a mim mesmo, olhando de volta ao meu eco do compromisso. Mas, mesmo no eco, tinham coisas que me magoavam, sim. 

Eu sempre tive medo de esfriar pra sempre, 
e medo de não conseguir ser, 
medo de não seguir a risca a linha das coisas mais importantes da vida, 
por causa do que eu achava ser minha fraqueza emocional, 
minha insegurança e baixo-autoestima. 

Eu amo minha vida, e, ao mesmo tempo, sou emocionalmente complexo 
e me amo mais do que tudo, 
enquanto rio da tragédia 
da tragédia, que eu mesmo crio em minha vida. 

Com meus limites mais definidos hoje, 
mas uma dor tão grande quanto a velocidade de um guepardo, 
correndo em direção a presa.

Nunca me joguei na vida "a um", talvez por achar que sempre precisei dos outros. O que não significa que nunca estive "a um". Já estive. Ainda que morando com amigos, vivi assim. 

Todos os dias daquele ano miserável eram intermináveis. Eu fazia coisas da rotina porque tinha de faze-las. Não deveria haver nada de errado nisso, se eu não tivesse a sensação de perda anterior. Sentia que as emoções se esvaziavam pouco a pouco de mim, logo elas, que pareciam ser a maior matéria-prima de meu universo.  Sentia-me largando tudo o que era Eu, despejando o que estava contido em meu ser no mundo, como se algo ou alguém tivesse me transformado em um pote de shampoo e estivesse me esvaziando. 

Cada dia, como se fosse uma lavagem, ia deixando a crença do que eu era para mim mesmo, em fios que teciam uma vida sem vida.

 Me sentia quase sem forças ou tesão para ter um objetivo na vida,  quase larguei a ideia de desenvolver pós-graduação e pensava que não era objetivo e sortudo com nada. 

O pouco que tinha, lutava com unhas e dentes para não acreditarem serem 
uma mera ficção para que eu não me entregasse. 
Com medo de perder de vista as coisas obvias 
que tinham de ser feitas, afinal, eu tinha emprego, aluguel e contas pra pagar.
Eu era esvaziado, dia após dia, um amargor me consumia por inteiro. 

 Como consertar um vaso quebrado, 
como reconstituir um quadro de pintura queimado? 
E, todas noites, após a masturbação ou uma transa com alguém qualquer eu voltava a chorar. 

Meus olhos acordavam inchados e um novo dia de trabalho começava. 

 As piores noites era quando eu sonhava com você,
 pois, destacava nossa distância real cada vez mais crescida. 
Até que outro alguém me quis. Me quis forte, me quis sem pestanejar. 
 Me perdi em meus pensamentos negativos por causa dele. D'ele, que me quis. 
 Me fez desacreditar em minha descrença comigo mesmo. 

 Não posso reclamar de todas as pessoas boas que já passei na minha vida. 
Então, o mal, não foi de todo ruim. É impossível, não ter visto a utilidade. 
Do quanto me ajudou, o último a me relacionar, e o quanto fez perceber quem eu sou e gosto de ser. Mesmo que na dor de me sentir deveras repreendido e pressionado.
.
 E assim, fui enchendo meu pote de shampoo de novo, 
com base de muito sexo e tensão argumentativa. 
E assim fui descobrindo o quão egoísta e hipócrita  eu fui  nos meus relacionamentos passados, mas podia não ser nos futuros,de fato.

. Metamorfoses. 

Antes, eu era o Poço, eu, a profundidade e o meu eco.
 Um eco que achava injusto a troca de sentimentos. 
Não queria trocar um sopro de vida por uma doação de uma dose minha de amor. 
Sempre achei isso uma troca de dois pesos e duas medidas.

 Nunca achei que o amor fosse uma mercadoria de troca. 
Pois nunca troquei-o e, se doei, não percebi e já era tarde demais para sonhar de novo.
Nesse momento, percebi um contradição em minha tentativa de racionalizar o amor. 
 Sempre pensei que o amor que tenho dou o quanto e se eu quero, ou assim pensei toda minha vida. 

. A contradição se explica pois se sofro 
é pelo amor que doei e perdi, doei porque quis. 
Logo, meu ex ajudou-me a perceber que ser otário é sempre um problema meu. 

:D
 
Talvez sempre tive medo de doar amor, 
devido a história de ausências na recepção de algo bom pra mim. 
 Talvez a maior constatação de amor próprio que eu manifeste em mim seja pensar em mim. . 

Consequentemente, hoje, após todas lições que passei, 
penso no quanto tudo foi esclarecedor, 
e com a clareza o arrependimento de não ter sido esclarecido desde o princípio, 
algo que antes não faria qualquer sentido, mas agora é  diferente. 

Não somos o mesmo gelo de quando fomos tirados do freezer.



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